quinta-feira, 8 de novembro de 2018

o carteiro

há pouco mais de um ano e meio mudei para são paulo. é tão pouco e tão muito que já me dou a possibilidade de enunciar um "quase dois" quando me perguntam. nesse tempo muita coisa mudou. uma atmosfera de cidade, um conjunto de possibilidades que aparecem pra mim ao mesmo tempo que é mascarado ou rejeitado para outros. uma casa maior, um roteiro diferente, medos sem igual e encontros também particulares. a saudade de casa, do lá, a vontade eventual de voltar ou mesmo de partir, os sentidos de urgência. os cheiros, o calor e o vento, os amigos. a responsabilidade do autocuidado, do cultivo do afeto e do silêncio - tudo isso também assumiu outros contornos.

estando aqui a gente tem que usualmente lidar com o silêncio e a indiferença, aprender a conjugar as distâncias quando as coisas pareciam ser próximas, medir novos trajetos, desenhar mapas que a despeito de tantas linhas rejeitam as pegadas. o frio é outra coisa. os gostos muitos, mas quase todos parecidos. 

estando aqui poucos momentos me mostram esse universo em colisão como o encontro com o carteiro. eventualmente escrevo sobre ele, me lembro de pelo menos umas duas ou três. é sempre o mesmo senhor que parece partilhar comigo um segredo. nos reconhecemos nas nossas semelhanças em um espaço que nos vê como diferentes. hoje por exemplo, quando voltava da academia, ele me encontrou no outro lado da rua a um quarteirão de casa. cansado e sem dar conta ao que se encenava ao redor, ele me assoviou. olhei. estava do outro lado da calçada. sorriu.
- é do 83, né?
- é sim. o senhor vai lá?
- já fui. deixei sua caixa com seu josé.

ele sabe na intimidade o conteúdo de cada caixa. pelo cheiro, pelo barulho, por quem a remete - usualmente as mesmas pessoas, ou empresas, enfim, cartas, livros, contas. ele sabe. ele sabe de mim. e eu dele. nesse ir e vir pouco importa as coisas que são atravessadas e juntadas pelo que há nas caixas. importa esse saber partilhado entre quem envia e quem recebe, entre o carteiro que ainda não sei o nome e sr. josé, entre entradas e saídas. 

estivéssemos em outras paragens eu o chamaria para um café nessas horinhas de encontro. talvez eu devesse comprar café agora, talvez assim ele soubesse que a alegria que me dá quando lembra de mim é também um encontro meu com o sentimento de casa.
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quarta-feira, 19 de maio de 2010

um relógio esquecido sobre a mesa

Tentei fugir, mas aqui há um carrasco inviolável: o tempo. O tempo e sua perplexidade. Pensei em escrever no dia de meu aniversário e tecer um leque de coisas que mudaram, as formas como via e como vejo o mundo, e aquela baboseira habitual toda, mas agora é diferente. Não é mais o tempo um objeto distante, um presente dissimulado. Ele é mais presente e menos simulado, e talvez seja por ser carrasco que ele não pauta deixar de ser o que é; ele não carece dessas coisas. É, é algo que merece ser pensado

sábado, 24 de abril de 2010

A lenda da Pedra

Hoje eu sinto a necessidade de procurar. Sinto novamente que preciso me reinventar, identificar-me por digitais que condizam com a pessoa que eu projeto agora e com os segredos que eu interpreto como sendo verdades só minhas. Perdi-me de meus passados e desejos antigos e sinto a necessidade de ser qualquer coisa como eu. 

Sinto muita crueldade em quem me pede para sempre ser assim como sou, referindo-se a mim como qualquer coisa parada e cristalizada, uma forma física, uma geografia perfeitamente matemática e localizável. 

Do Sol á Pedra, porque sim, eu mudei. E dessa vez não precisei ir buscar o meu nome porque ele foi resultado de minha pesquisa pelo caminho mais adequado: a transitoriedade de minhas certezas.