quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Aos Domingos

Não sei ao certo como começou tudo isso, mas é bem verdade que os domingos não eram diferentes dos outros dias, mas havia ali um algo mais, uma atmosfera que envolvia os ambientes e as pessoas e que nos tramsportava para dentro de nós mesmos. Domingo era o dia de doar-se a si próprio.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Sobre tudo e sobre nada


Anna Bezerra,  avó materna

Minha loucura ou paixão, essa falta de salubridade é reflexo de minha avó. Diz minha mãe que quando mais jovem ela tinha os cabelos negros e lisos como os de Iracema, sua pela era firme e apesar do sol e dos esforços que a fome impunha ao corpo e a necessidade de sobreviver impõe à alma, ela tinha uma tez despreocupada. Dizem os médicos “ ela tem retardamento intelectual de nível moderado”; dizem isso pra justificar sua completa ignorância de quem ela seja ou do que faz aqui neste mundo. Mas nós temos um segredo comum, compartilhamos do mesmo olhar. O tempo que nos afasta funciona da mesma forma que o versejar que nos reúne. Dizem isto para justiçar suas ações; a forma independente como fala, brinca e se comunica. Não há necessidade de terceiros, ela só precisa de si mesma, mas gosta de minha irmã que sempre cuidou dela. Mas talvez se ela não tivesse aparecido e meu avô não tivesse morrido em 1997, eles viveriam o mesmo acordo íntimo.


Diz minha mãe que Seu Miguel Luiz, meu avô casou-se com ela por força do seqüestro. Certo dia ao caminhar pelas ruas da serra velha, ele a vira em sua casa. Vendo-lhe, de súbito engraçou-se da pessoa dela. Em outro momento passou por sua casa e viu que ela apanhava de seus pais e, quando a deixaram de canto, ele a tomou para si e levou pra sua casa. E lá casaram-se por desejo, não sei se comum, mas fato é que ele sempre cuidou dela e a respeitou. Não sei muito a respeito de meu avô materno, pois todos esses de que lhe falo hoje são de minha família materna. Não sei se era forte ou gordo, se ela bonito ou não. Sempre lhe tenho à memória a imagem do senhor forte e vigoroso que nos deu bala e pipocas na frente da padaria e que, em segredo, me entregou três pequenos corcéis que ele mesmo havia feito. Talvez fosse aqui, nesse exato momento, que nosso acordo foi fechado. Não lembro também de minha avó nesse episódio.

Hoje minha avó tem quase 70 anos. Não há mais o meu avô por perto, apenas a sua lembrança na saudade de minha mãe. Ela tem já os cabelos envoltos no prateado da lua, e se recolhe na fortaleza de seus brinquedos.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mudanças


Mãe [Joana]  e Pai [José]

Sinceramente nunca consegui entender bem como se processava a relação entre meus pais. Aparentemente meu pai é o tipo de homem que gosta de mulheres "bonitas" ou seja, aquela beleza da televisão, e convenhamos que apesar de ser bonita (ao menos aos meus olhos) ela não corresponde a esses modelos de feminilidade impostos e exibidos pelos veículos de comunicação. 
Ao longo do tempo o relacionamento entre os dois foi evoluindo, mas nunca descobri ao certo o que o levou a morarem juntos... se meu nascimento ou se a necessidade de estarem juntos, se eles realmente se gostavam ou não.

De início a relação era meio brutal, por vezes chegando à agressão, em especial quando mudamos de bairro, por volta de 1993... 1994. Não sei ao certo se essa visão é certa, mas quando chegamos lá com o caminhão de mudança, estava chovendo, a rua era de um barro vermelho alaranjado que transformava a rua num verdadeiro lamaçal. Não havia muita coisa, mas nos 11 ou 12 anos que moramos por ali muita coisa foi mudando. Dentro e fora da rua, dentro e fora da casa.. dentro e fora de nós. Ali acontecia toda sorte de coisa. Foi lá que descobri meus primeiros amigos, minhas primeiras paixões, comecei a esboçar minhas primeiras opiniões e desenvolvi minha particularidade.  Meus pais e irmaõs, por processos diferentes também desenvolveram sua forma particular de ver e estar no mundo. Uns tentanto passar neutros, outros querendo ser vistos e outros  vingindo que isso não era necessário.

Eu vejo a casa antiga como um laboratório. Lá se processaram muitas coisas. Meus pais aprenderam a gostar de si, eu aprendi a me conhecer e foi lá verdadeiramente que me formei. Porém, quando saí de lá, apesar de triste, afinal de contas, lá estava toda minha vida até então, não senti mais necessidade de voltar lá. O mesmo acontece com a antiga casa onde morávamos. Apesar de ser bem perto de onde moramos agora, não vejo qualquer necessidade ou impulso de voltar lá. As paredes, os cheiros e as cores já não me dizem mais nada. Não vejo ali qualquer resquício de mim.

Na nova casa as coisas pareciam mais frescas, e de fato são. Evidente que nem todos os dias são alegres, felizes com um sol estúpido e um belo lago para fazermos pique-nique, mas isso faz parte da normalidade que nos é peculiar.

sábado, 3 de outubro de 2009

O Último Dia do Ano



(eu, Joana, Tarcísio, Fátima e Diego)

Do que é feita a nuvem?

Do que é feita a neve?
Como é que se escreve
Re...vèi...llon
 
( Oito Anos, Dunga e Paula Toller)
 
    Ano Novo, a gente nunca chamava de outra forma. Lá em casa era tudo bem nítido e definido. Sabíamos sempre como e o que fazer. Algum tempo antes comprávamos as roupas novas, afinal de contas... era data solene e importante, digníssima. Depois cada um era responsável por um ofício específico: eu e minha irmã limparíamos a casa e ajudaríamos na cozinha, já que éramos os maiores. Diego limparia o quintal e o beco lateral. E Tarcísio não faria nada porque era muito pequeno pra qualquer coisa ainda. O cardápio seguia uma linha geral.. salpicão, vez por outra peru,mas nós não gostávamos e isso era raro, lasanha, arroz com passas e ervilha. Não podíamos comer antes da reunião.
 
    Minha mãe, por opção protestante,  sempre nos levava ao culto especial que acontecia no último dia do ano. As pessoas traziam sus famílias, a igreja abarrotada no térreo por adultos exercendo fé naquilo que acreditavam e as crianças no andar superior, onde chamavam Escolinha, a cuidar das coisas que eram só suas. No início a Escolinha não era no primeiro andar, e sim no térreo, em um pavimento lateral onde foi posteriormente construído uma piscina para os batismos.  Em todo caso era lá que as crianças ficavam. Eu me furtava a isso tudo. Sempre muito responsável,  ou calado demais pra ser percebido, eu optava sempre por ficar no limbo... uma escada a fazer a ponte  entre a fé dos adultos e o misticismo das crianças no andar superior. E lá eu ficava a observar o ir e vir das coisas. Pessoas insconscientemente felizes e tristes passavam com suas roupas brancas e multicor, os fogos e fumaça subiam a colorir o céu nos últimos momentos do ano. E lá ficávamos reclusos até que o ano acabasse e pudéssemos começar mais um ano, ao menos por instantes livres de máculas.
 
   A família aparecia pouco, mas aparecia. Uma tia ou outra marcava presença... geralmente Fátima, que morava próximo  e ainda era solteira. Depois casou e recolheu-se para a vida do marido. Meu pai aparecia bem pouco. Geralmente tinha  a sorte de folgar no Natal e como ônus de porteiro noturno que é, trabalhar no último dia do ano. E assim seguíamos nossas vidas.
 

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Tudo Muda o Tempo Todo



(Outubro de 1990 - 5 meses de idade)


( 1 de Outubro de 2009 - 19 anos e 5 meses)

Quando eu ainda não era

Quando eu nasci, provavelmente às voltas das oito horas do dia seis de Maio me faltou o tino acertado dos primeiros elementos e do sétimo. Mas eu era forte. Era manhã, dia de domingo. Fato é que as lembranças aqui narradas são produtos de minha imaginação sempre ativa e de minha suspeita constante dos fatos que aparentemente se escondem nas pequenas coisas da vida, nos pequenos gestos e coisas. Mas continuando....


Era dia de domingo. Chovia e fazia sol na minha vida.Chovia porque romper à luz era custoso, e fazia sol pois ele sempre esteve feito, desde Hélios e Urano e o meu pulo para fora era apenas mais um símbolo para isso tudo. Nasci sob os auspícios de Touro, com Gêmeos ascendente. A minha lua se encontrava em Libra e eu estava lá; talvez eu soubesse disso tudo, mesmo não tendo consciência do significado desses códigos.

A minha vida transitava num sistema de coisas em que eu ainda era passivo,passivo não, reflexivo frente à toda ordem de coisas que me acontecia. De alguma forma eu era o Sol... e agora eu volto à sê-lo, com todo respeito ao Brilhante.

Nessa época, é preciso que se diga, eu ainda não era eu. Antes seria José Artur de Lima e Oliveira; mas quis a vida que eu não fosse essa coisa toda. E meu pai, num surto de inspiração e ousadia furtiva, para tristeza de minha mãe, deu-me de imediato em cartório o nome de Thiago de Lima Oliveira. Nome estranho esse, apesar de comum. É nome de toda gente. Depois de certo tempo descobri que eram nomes de judeus novos. Famílias de judeus da parte ocidental da Europa que correntes da Inquisição acabaram mudando-se para Portugal e para salvarem suas vidas precisaram abdicar de sua fé, e converterem-se ao cristianismo. Isso, apesar de não me ser inato, influenciou minha forma de ver o mundo e de estar nele.

Tive vários nomes... alguns dados, outros roubados, outros que eu mesmo me dei, por necessidade ou merecimento. Fato é que hoje eu volto a ser o sol, e me digo Heliodoros, a dádiva do Sol, e cá estou a resgatar minhas pérolas nesse vasto e transbordante mar que transcende viver e existir, e mesmo assim compreende-os em si.