sábado, 3 de outubro de 2009

O Último Dia do Ano



(eu, Joana, Tarcísio, Fátima e Diego)

Do que é feita a nuvem?

Do que é feita a neve?
Como é que se escreve
Re...vèi...llon
 
( Oito Anos, Dunga e Paula Toller)
 
    Ano Novo, a gente nunca chamava de outra forma. Lá em casa era tudo bem nítido e definido. Sabíamos sempre como e o que fazer. Algum tempo antes comprávamos as roupas novas, afinal de contas... era data solene e importante, digníssima. Depois cada um era responsável por um ofício específico: eu e minha irmã limparíamos a casa e ajudaríamos na cozinha, já que éramos os maiores. Diego limparia o quintal e o beco lateral. E Tarcísio não faria nada porque era muito pequeno pra qualquer coisa ainda. O cardápio seguia uma linha geral.. salpicão, vez por outra peru,mas nós não gostávamos e isso era raro, lasanha, arroz com passas e ervilha. Não podíamos comer antes da reunião.
 
    Minha mãe, por opção protestante,  sempre nos levava ao culto especial que acontecia no último dia do ano. As pessoas traziam sus famílias, a igreja abarrotada no térreo por adultos exercendo fé naquilo que acreditavam e as crianças no andar superior, onde chamavam Escolinha, a cuidar das coisas que eram só suas. No início a Escolinha não era no primeiro andar, e sim no térreo, em um pavimento lateral onde foi posteriormente construído uma piscina para os batismos.  Em todo caso era lá que as crianças ficavam. Eu me furtava a isso tudo. Sempre muito responsável,  ou calado demais pra ser percebido, eu optava sempre por ficar no limbo... uma escada a fazer a ponte  entre a fé dos adultos e o misticismo das crianças no andar superior. E lá eu ficava a observar o ir e vir das coisas. Pessoas insconscientemente felizes e tristes passavam com suas roupas brancas e multicor, os fogos e fumaça subiam a colorir o céu nos últimos momentos do ano. E lá ficávamos reclusos até que o ano acabasse e pudéssemos começar mais um ano, ao menos por instantes livres de máculas.
 
   A família aparecia pouco, mas aparecia. Uma tia ou outra marcava presença... geralmente Fátima, que morava próximo  e ainda era solteira. Depois casou e recolheu-se para a vida do marido. Meu pai aparecia bem pouco. Geralmente tinha  a sorte de folgar no Natal e como ônus de porteiro noturno que é, trabalhar no último dia do ano. E assim seguíamos nossas vidas.