quarta-feira, 19 de maio de 2010

um relógio esquecido sobre a mesa

Tentei fugir, mas aqui há um carrasco inviolável: o tempo. O tempo e sua perplexidade. Pensei em escrever no dia de meu aniversário e tecer um leque de coisas que mudaram, as formas como via e como vejo o mundo, e aquela baboseira habitual toda, mas agora é diferente. Não é mais o tempo um objeto distante, um presente dissimulado. Ele é mais presente e menos simulado, e talvez seja por ser carrasco que ele não pauta deixar de ser o que é; ele não carece dessas coisas. É, é algo que merece ser pensado

sábado, 24 de abril de 2010

A lenda da Pedra

Hoje eu sinto a necessidade de procurar. Sinto novamente que preciso me reinventar, identificar-me por digitais que condizam com a pessoa que eu projeto agora e com os segredos que eu interpreto como sendo verdades só minhas. Perdi-me de meus passados e desejos antigos e sinto a necessidade de ser qualquer coisa como eu. 

Sinto muita crueldade em quem me pede para sempre ser assim como sou, referindo-se a mim como qualquer coisa parada e cristalizada, uma forma física, uma geografia perfeitamente matemática e localizável. 

Do Sol á Pedra, porque sim, eu mudei. E dessa vez não precisei ir buscar o meu nome porque ele foi resultado de minha pesquisa pelo caminho mais adequado: a transitoriedade de minhas certezas. 




sábado, 20 de março de 2010

O menino que cantava para o mar

Como quem não deseja provocar a cólera do mar, ele certamente sentava-se sozinho e calado olhava. Olhava até saber que era a hora da música começar. E como começa ? Ambos não sabíamos, apenas esperávamos o sinal. O mar era a primeira voz, e sempre será. Ao seu sinal ele começava a cantar, e eu ali distante, fechava os olhos e ouvia aquele dueto. A princípio, os assovios eram como quem canta pra dentro, a fim de não afrontar a imensa siberania do elemento líquido maior. Até que Ele, que é maior permitisse ficar silencioso e o outro pudesse finalmente subir o tom de seus ossovios. Em volta, como animais, os homens espalhavam-se pela escuridão, uma dança de vultos, cada qual tentando seduzir a sombra que mais lhe aprazia com sua indiferença. E ele lá, cantava e banhava-se na prata escuro-luzente do mar. Éramos dois ?

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Memórias do Mar

Quando eu era criança, vez ou outra como passeio tinhamos a praia aos domingos. Tambaú naquela época tinha uma água verde que no meu olho parecia uma grande esmeralda que se desfazia a todo instante e justo assim tomava a todos, e sem que percebessem, mas eu era silente e atento, como um fugitivo. Tudo era água e sal, diziam, mas eu sempre veria para mais do que a simples mistura; talvez fosse até um processo misteriosamente alquímico. Cabo branco sempre me foi um mistério. Sem sereias, monstros ou esmeralda.
  Lembro que ao chegar em casa, já vermelho e ainda cheio de areia, sentia as ondas do mar dançando em meu corpo. Sinto saudade dessas coisas, e às vezes parece que o mar me tomou o corpo embora e ainda não devolveu. Se o corpo não foi, e ainda está em mim, sinto falta de algo. Talvez fosse um pedaço de minha alma, que com certeza está lá, não sei por quais motivos ou processos, mas certamente está lá. Os cientistas dizem que é lá que está 80% da vida na Terra, talvez mais ou menos disso é o que a água, e o mar em princípio nos ensina. Metade de mim e é água, e outra metade é terra. E talvez eu seja lama porque Touro (terra e água) e Coruja(ar e água)  mistiram-se. Antes de eu ser o que sou, eu fui algo que já não me pertence.
Mas hoje as almas e  praias são bem parecidas: vitrinas ocas, como lojas destinadas a fantasmas e espirros. Só o mar conserva sua integridade e segredos, mesmo que o lixo seja jogado no seu verde, que nem recebe mais, apenas expulsa, como uma ferida que quer curar-ser.  São banhos rápidos e fugitivos, como se o medo de ser tomado e preenchido que fosse de verdade, e mais que isso, que valsese a pena, por algum motivo,  por alguma coisa ainda sem explicação gerasse a idéia de um asco mútuo. Hoje há uma placa na porta do mar: onde se lê "não há vagas"; na contramão, vê-se na porta da vida de muita gente " proibido estacionar". 

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

As Lições de Vôo

Quando era criança, o que não faz muito tempo, uma coisa que me deixava muito admirado era a capacidade de voar. Lembro que na escola eu passava correndo entre os corredores, talvez na esperança de que em algum desses saltos eu finalmente pudesse romper com essa gravidade plástica que me prende ao fixo. Mas isso nunca aconteceu no mundo das coisas concretas. Outra memória que me recorria eram os saltos do teto da casa. Subia na laje do banheiro e pulava com um guarda-chuva na mão em direção aos colchões deitados no solo. Aqueles momentos foram meus primeiros rituais, meus primeiros exercícios de liberdade. Talvez eu sinta falta disso, mas substitui os saltos pelas palavras e os guarda-chuvas e colchões  por caneta; o sentimento permanece.