quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Memórias do Mar

Quando eu era criança, vez ou outra como passeio tinhamos a praia aos domingos. Tambaú naquela época tinha uma água verde que no meu olho parecia uma grande esmeralda que se desfazia a todo instante e justo assim tomava a todos, e sem que percebessem, mas eu era silente e atento, como um fugitivo. Tudo era água e sal, diziam, mas eu sempre veria para mais do que a simples mistura; talvez fosse até um processo misteriosamente alquímico. Cabo branco sempre me foi um mistério. Sem sereias, monstros ou esmeralda.
  Lembro que ao chegar em casa, já vermelho e ainda cheio de areia, sentia as ondas do mar dançando em meu corpo. Sinto saudade dessas coisas, e às vezes parece que o mar me tomou o corpo embora e ainda não devolveu. Se o corpo não foi, e ainda está em mim, sinto falta de algo. Talvez fosse um pedaço de minha alma, que com certeza está lá, não sei por quais motivos ou processos, mas certamente está lá. Os cientistas dizem que é lá que está 80% da vida na Terra, talvez mais ou menos disso é o que a água, e o mar em princípio nos ensina. Metade de mim e é água, e outra metade é terra. E talvez eu seja lama porque Touro (terra e água) e Coruja(ar e água)  mistiram-se. Antes de eu ser o que sou, eu fui algo que já não me pertence.
Mas hoje as almas e  praias são bem parecidas: vitrinas ocas, como lojas destinadas a fantasmas e espirros. Só o mar conserva sua integridade e segredos, mesmo que o lixo seja jogado no seu verde, que nem recebe mais, apenas expulsa, como uma ferida que quer curar-ser.  São banhos rápidos e fugitivos, como se o medo de ser tomado e preenchido que fosse de verdade, e mais que isso, que valsese a pena, por algum motivo,  por alguma coisa ainda sem explicação gerasse a idéia de um asco mútuo. Hoje há uma placa na porta do mar: onde se lê "não há vagas"; na contramão, vê-se na porta da vida de muita gente " proibido estacionar".